28 de dez. de 2012

O Natal Acabou

A garotinha entrou gritando pela sala, "não vai ter mais natal, ACABOU O NATAL". Nos jornais, a manchete "NATAL CANCELADO" dominava a vista. "Depois dessa, quando é que eu vou ver minha família reunida?" pensava a avó. "Quando é que vamos encontrarmo-nos com as pessoas distantes queridas - e até as odiadas?" pensava o rapaz. "E agora? Qual vai ser a desculpa pra tirar o amargor do coração, ser caridosa, perdoar e abraçar, se não tem mais natal?" já imaginava desesperada a moça. Não haveria mais natal, e os especialistas já pesquisavam sobre possíveis datas a se criar, pra despertar nas pessoas o espírito de pacificidade natalino. O comércio já se movia pra substituir sua época próspera. O natal acabou e, bem, agora todas as ações solidárias terão de ser por pura solidariedade. Sem desculpas.

19 de ago. de 2012

Vento de Proa


A noite parecia mais escura. O vento mais gelado. Dizem que peso na consciência deixa as coisas assim. Pessoas dançavam na sua frente, corpos que pareciam tão vazios com o som tão alto. O profundo sentimento de culpa temperava tudo. Se fosse seguir sua vontade, subiria ao alto do prédio mais alto das redondezas e atirar-se-ia de lá. Mas fora a sua vontade que o deixara assim, perdido. Melhor não ouvi-la tão frequentemente.
Melhor fazer algo, ou pensar em fazer algo. Ou não. Melhor dormir um pouco.

1 de jul. de 2012

13 de jun. de 2012

Longo Caminho


Ele esperava o trem. Sem sono, mas, cansado.  Pensava incessantemente – e talvez fosse esse o motivo da estafa. Não sabia se ia, se ficava. Aquela cidade lhe dera tantas decepções, mas, era uma cidade grande, ele ainda tinha chances de topar com um grande amor, com uma grande oportunidade de emprego, de vida. Quem sabe a sorte só não tinha o encontrado ainda. Podia ser questão de tempo. Mas com a passagem já em mãos, vinha sempre o “E Por Que Não?” à mente. Ah, o trem já vem. Coragem pra subir dessa vez.
                Entrou no trem e fez questão de se sentar virado de costas pra cidade que se afastava. Pra esquecer de vez as lembranças que aquele lugar trazia. Acomodou-se ao lado de um velho. Um desses velhinhos com cara de simpático, que foi logo puxando assunto. Falou sobre as malas do nosso rapaz, perguntou se era mudança. Ao receber a afirmativa, disparou alguns de seus conselhos. Sobre como o mundo tem mudado, sobre como as coisas estão difíceis, sobre como no tempo dele tudo era mais simples. É claro, velho, no seu tempo você não era velho. Os tempos sempre mudam, o que não muda é essa nostalgia. Por sorte, o velho falou só mais um pouco sobre o seu tempo, lembrou-se que sua estação estava chegando, começou a arrumar suas coisas e, com tudo preparado, ficou sua meia hora olhando petrificado pra estação que chegava. Com uma despedida muito formal, esperou até que o trem parasse, e desceu.
                Logo depois do velho descer, uma moça entrou no trem e ocupou seu lugar ao lado do nosso rapaz. Ele demorou a notar a presença dela. Foi olhando de canto de olho, pra evitar um contato direto de olhares, passando pela calça jeans desbotada, pela camisa branca folgada, pelo escapulário pendurado no pescoço, por onde caíam os fios negros dos cabelos tão lisos, contrastando com a pele tão clara, até que o olhar chegou aos olhos, que estavam fixos em alguma outra coisa - esse olhar de quem está viajando em pensamentos. Até que, numa fração de segundos, ela virou as pupilas e os olhares chegaram ao temido encontro. A timidez fez o coração dele acelerar, as mãos suaram. Ela sorriu. Nenhuma palavra. Ele virou o rosto, pensou em duas bilhões de coisas, quatro milhões de formas pra começar uma conversa, e zero coragem pra olhar de volta pra ela.
                E foi assim até chegar ao seu destino. Ele desceu, ela desceu. A moça ainda deu uma olhada na direção do rapaz, ele viu, mas já tinha se conformado com a derrota, nem tentou contato. A timidez veio junto com ele, a impaciência e a indecisão também, não ficaram presas na velha morada, na caixinha cheia de papéis e fotos. A força de vontade pra mudar a si mesmo não veio junto com a cidade.
A cidade era nova, os problemas não. 

29 de mai. de 2012

mais que normal


de joelhos
olhos vermelhos
desespero latente
martelando minha cabeça
enquanto a serpente
oferece mais franqueza


comi provei
falei 
tudo que senti
caí
e aprendi
a lição já aprendida
humano limitado
estupidez infinita

21 de mai. de 2012

o beijo do marciano



naquela noite quente um brilho surgiu
do céu, quebrando a rotina
daquela moça que se via tão vazia

a nave brilhante pousou e de lá saiu
um grande ser de um púrpura bonito
acelerando aquele coração frio

apresentou-se o marciano, eu vim de longe,
terráqueo, ensina-me tua forma de amar,
mas a moça mal conseguia respirar

acalmou-a o marciano, não te afobes,
meu interesse é na tua forma de poder,
como amam aqui? como têm prazer?

e veio uma longa e profunda inspiração
até ela chegar ao beijo do marciano.
e o amou como não amou nenhum humano.

descobriu naquela noite, a moça,
que desse universo a maior força
é o amor que brota de um coração.

8 de mai. de 2012

sobre o amor guardado



quando te afastas, lhe contemplo
e quando estás fora de minha vista,
lhe contemplo também, pois
da tua natureza vem minha inspiração.

vem do teu andar paciente,
feito astro preguiçoso cortando o céu,
dos fios de cabelo que te caem ao rosto,
de onde tira-os, só pra caírem de novo.

e, deixo assim, guardado no ‘bom-dia’,
num ou noutro ‘tudo bem’. tudo bem.
deixa assim tudo livre.

pra que voe, e pouse só quando tudo
estiver muito bem seguro,
só quando houver chão firme.

1 de mai. de 2012

O grande vazio


Nas fotos espontâneas, nas poesias românticas,
de repente abriu-se um grande vazio.
À vista, algo parece ter sumido.
Nos sorrisos, rimas, gestos,
nota-se sempre ausência.
Certa incerteza, inidentificável.
Falta algo no que aquelas figuras transmitem.
Falta presença, falta tanto de todo mundo,
menos vazio. Esse preenche tudo.

23 de abr. de 2012

E Tudo Mais


eu lhe prometi
amor e tudo mais
fiz tantas outras coisas
que todo apaixonado faz


em retribuição
ela jurou de coração
tornar-me o homem mais feliz
valeu a pena, tudo que fiz


voei no céu
da boca dela
nunca provei coisa
tão boa quanto aquela


surpresa é
ser eu felizardo
justo eu, 
infeliz derrotado


eu, hoje exemplo.
isso só prova
que amor é sim
pra tudo a resposta


perdoei toda a gente
que me magoou
tenho pena de quem
um dia me pisou


tudo é muito melhor
com ela do meu lado
na praça, ou a sós 
no nosso quarto


nem os cigaros tem 
mais o mesmo gosto
e mesmo meu rosto
é só pra vê-la


e num planeta distante
vão saber que o motivo
desse largo sorriso
é tê-la.

11 de mar. de 2012

cair


num buraco profundo,
sem fundo, nem chão pra pisar,
longe de qualquer lugar,
querendo calor, calma,
perdendo a cor, a alma,
quase nada.

nada enxergo no escuro,
cego-surdo-mudo,
não sei nem me mexer,
não sei, não consigo,
espero chamarem meu nome,
espero ainda estar vivo.

nesse buraco sem fim,
tudo voa, eu não,
nada diz meu coração,
já tão longe de mim.

8 de mar. de 2012

noite escura



do início até aqui
só pude contar comigo mesmo
sempre e sempre desse jeito
e sei que será até o fim

meu melhor amigo sou eu
frio como a noite
compreensivo açoite
tolerante breu

minha vida, meu peito,
face oculta, céu negro.

6 de mar. de 2012

espinhos



no escuro do meu quarto surgiu
uma planta carnívora, viva
alimentada pela ira,
pelos pensamentos ruins,
pela angústia que transborda de mim,

surgiu ali, sem luz,
sem qualquer incentivo,
pra abater qualquer ser vivo,
perto da intimidade do meu quarto.
uma planta que mata, me mato,

entre seus espinhos, caninos,
sem piedade, remorso, espírito,
me protege, me fere,
esconde a verdade,
a vergonha de sentir vontade.

3 de mar. de 2012

pele e ossos


meu corpo respira,
vai em frente, oco
mas, tolo, precisa
de outro corpo.

incompleto, inconstante,
invariavelmente
um péssimo amante
morto que mente

quer sempre demais
sou só pele e ossos
deseja carne e sangue
desejo apenas sorte

18 de fev. de 2012

O Sol Na Janela Da Sala


plena manhã
já faz cara de má
direto pro sofá
nem me olha, querendo
espera que eu te dengo
e te trago de volta pra cama

nessa manhã qualquer
essa manha de mulher
que pensa bem no que pensa
e sabe ser bem intensa
que nem fala e bem diz
e faz um homem feliz

15 de fev. de 2012

pele


pra tua respiração ofegante
agredir meu pescoço
e minha mão correr suave
no teu desnudo torso


assim, com todo amor pela vida
com toda força pra viver
eu te faço sentir viva
te mostro o que é prazer


bem, saber assim
dessa bandida boca
que teu corpo me diz sim
e te preencho inteira, e toda

13 de fev. de 2012

Engordei



                Engordei mesmo. Em cada pneuzinho uma vontade satisfeita. Em cada pedacinho de pele fora do lugar - desses que dão vergonha quando alguém vê - o alívio de estar pouco me fudendo pra o que os outros vêem.
                Pra falar a verdade, acho que esses quilos a mais são do amor próprio que eu finalmente ingeri.

9 de fev. de 2012

vários


também tenho medo
e não é segredo
que as feridas não somem


não são por si só
dissolvíveis
tem seus níveis
melhor, pior


com o tempo
ou não
ou são
eu não sou
coitado
sou vários
pra não ser nenhum
sou todos
por que não consigo
ser só um

28 de jan. de 2012

incógnita


pelo som irritante da tua voz,
pelo tom claro demais da tua pele,
pelos pêlos do teu corpo tão leve,
pelo teu receio em falar de nós.

ansioso assim, sempre
ou, talvez, somente
enquanto eu não te esqueça.

enquanto puder,
vivo então, até
que eu, finalmente, te conheça.

5 de jan. de 2012

Coragem



           Vinte comprimidos na mão esquerda, um copo d’água na mão direita - Se fosse vodca, essa história não seria contada em primeira pessoa.
           Foi com toda a coragem do mundo. Tomei em dois goles, com o gosto salgado das lágrimas que encharcavam minha cara passando pelos meus lábios.
           Deitei com a carta de despedida na mão, pra esperar a morte vir me buscar. Mas ela me levou só por vinte e quatro horas.
           Me devolveu inteiro, na tarde de uma terça feira, com vida, desapontamento, e uma nova chance.
           Suicidas são muito fortes. 
           Não é fácil puxar um gatilho ou engolir uma porrada de comprimidos, ligar o foda-se e ir embora dessa merda de mundo.
           Meu suicídio foi frustrado. Não sei o que foi capaz de evitar que tamanha carga de clonazepam não explodisse meu coração. 
           Não me arrependo. 
           Não faria de novo.
           Suicidas são muito fracos. 
           Ir embora só fere quem realmente se importa com você. Os seus problemas morrem contigo, mas, uma vida com problemas ainda é uma vida. Feito uma puta gostosa, gostosa, mas cara, com tempo limitado e que só dá com camisinha.
         
           Não vale a pena morrer.

Zero nº1

                      créditos à inspiração da letra e 
da melodia do Audioslave: #1 Zero
Vou me manter aqui
Como um cão aos seus pés
Ainda que sob pontapés

Não vou sair daqui
Serei o seu capacho
Seu servo, escravo

Preparado pra tudo
Ampararei você
Como todo prazer

Manter-me-ei mudo
No meu rosto teso
Em meu gosto feio


Constantemente pisado
Sem motivo algum
Sou seu Zero nº1


E sempre estarei aqui embaixo 
Com teu vulto roto
No canto do meu olho

o peso



eu vou te atormentar
nas memórias, nas fotos
nas histórias, nos corpos
feito um fantasma
uma alma penada
puxando seu pé antes de dormir
vou viver aqui
soprando no seu ouvido
o tamanho do desperdício
esse fardo feio e pesado


o tempo está do meu lado

Ímpar


clara como esse sol
abrasadora
íris tão verde
e vai
e volta

não me cansa
ela dança
ela transa com meu olhar
sem outra
inteira e toda
sem par

Tal


Uma tal, qualquer
Dessas que merecem tais versos
Bem, mulher
Bem de perto
Queria eu
Estar agora
Não ter hora
Não ser certo
E incrédulo
Totalmente sem fé no amor
Que uns bons versos românticos
Essa tal merecia.
Merecia sim, senhor.