31 de jul. de 2014

Canibal

"Eu adoro surpresas", ela vivia dizendo. Apesar dele sempre ignorar. Tava bom daquele jeito, e surpresas eram complicadas. Tomar vinho na casa dela toda sexta e assistir um filme na casa dele todo sábado era fugir da rotina o bastante.
Ela morria lenta e dolorosamente. Não havia horizonte turvo. Não havia resgate pra salvar daquela calmaria. Era tudo segurança, tranquilidade, bonitinho. Era tudo asfixia. 
Ele sorria agradavelmente. Sabia que ela só precisava de um pouco de paciência. Lembrava que ela já tinha sido mais difícil, e mesmo assim ele a domesticara.
"Eu não sou sua cliente. Não ri assim pra mim". Queria ter acrescentado um "filho da puta" no final, mas não teve coragem. Só pare de ser tão agradável, era o que ela queria dizer. 
Ela foi dormir de cara feia na esperança dele tentar alguma coisa. Quem sabe ele insiste pra me comer, quem sabe ele não me chama de insuportável
Ele fez o de sempre, deu tempo pra ela, sabia que era só de tempo que ela precisava pra se acalmar.
"Eu vou embora. Não suporto mais isso. Prefiro voltar pra casa dos meus pais, me ferrar sozinha. Tudo em você me irrita. Eu demorei pra juntar coragem pra ir embora, mas essa hora chegou, meu querido. Adeus pra você a pro seu tédio. Eu quero dormir mal de vez em quando, eu quero chorar, quero ficar irritada de vez em quando. A sua vida perfeita me sufoca!". 
Ela acordou. 
Ele levantou. 
"Eu vou comprar pão", disse.



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